REVIEW | Black Myth: Wukong é um forte candidato ao posto de Jogo do Ano em 2024
Cada rosa tem seus espinhos, diz um provérbio chinês. E, felizmente, no caso de Black Myth: Wukong, esses espinhos são algo que esperamos que o excelente estúdio Game Science possa resolver com o tempo: a otimização.
Eu joguei uma versão que não era final no Steam, usando uma RTX 3090, então é difícil afirmar com certeza que os problemas serão os mesmos em todas as configurações, mas o jogo apresentou algumas quedas de FPS, personagens atravessando cenários, travamentos e crashes em algumas áreas. Além disso, a localização estava incompleta, com textos em português, inglês e até chinês.
Entre os males, este é o menor. Afinal, esperamos que com alguns updates, esses problemas sejam resolvidos. No entanto, como avaliamos o produto entregue ao consumidor, fica o aviso: o jogo ainda não está totalmente maduro para todas as configurações.
A lenda do Rei Macaco
A história de Black Myth: Wukong é baseada em uma das lendas mais emblemáticas da China, familiar para muitos de nós por meio de obras como a série Dragon Ball e jogos como Enslaved: Odyssey to the West.
Ela funciona como uma extensão ou continuação do clássico romance Jornada ao Oeste de Wu Chengen, mas, como essa narrativa é pouco conhecida no Ocidente, até mesmo aqueles com alguma familiaridade podem se sentir um pouco perdidos. Isso ocorre porque a desenvolvedora faz uso abundante de referências e citações a personagens do romance, sem se preocupar muito em contextualizá-los.
Ou seja, se você quiser se aprofundar no lore, será necessário fazer algumas pesquisas online para entender a grandiosidade de muitos dos encontros. No entanto, ressalto que isso de forma alguma diminui a experiência — é apenas um ponto de atenção para jogadores que possam sentir a falta de contexto.
A história pode deixar alguns confusos, mas é a sua profundidade que nos prende e nos faz querer descobrir mais
Por outro lado, é seguro dizer que buscar mais informações por estar imerso na história e no jogo é um sinal de que a obra foi realmente bem construída. E é exatamente isso: o jogo empolga tanto que nos leva a querer mergulhar mais fundo em sua narrativa.
Você basicamente segue a estrutura clássica da jornada do herói, jogando como O Escolhido, um símio que literalmente acorda uma manhã e decide mudar o mundo, aventurando-se para localizar as seis relíquias de Wukong, uma lenda ancestral.
Ao longo das 40 horas de gameplay, podemos afirmar que a narrativa, apesar de em alguns momentos ser enfraquecida pelo fato de o personagem ser completamente mudo, funciona muito bem dentro de cada um dos seis capítulos que percorremos para recuperar as relíquias enfrentando os antagonistas.
As vinhetas animadas que encerram cada passagem são fenomenais, com estilos de arte que evocam os antigos livros de história, mesclando técnicas de anime e stop-motion, com roteiros que comovem e despertam sentimentos diferentes em cada espectador.
Uma infinidade de opções de combate
Assim como muitos jogos que incorporam elementos de um soulslike, Black Myth: Wukong apresenta sistemas tradicionais, como checkpoints com respawn de inimigos ao descansar, escassez de itens de cura e a barra de estamina que limita a quantidade de ataques e combos que podemos executar.
Por outro lado, convenções como a penalidade pela morte são inexistentes, exceto pelo retorno ao respawn mais próximo. Você também pode ajustar seus atributos, mudar de equipamentos e usar transformações. Nisso, o jogo acerta em cheio, trazendo uma abordagem mais original e distinta em comparação ao que estamos acostumados no mercado.
Entretanto, é na ação que sentimos a principal diferença para outros jogos do gênero: Black Myth: Wukong se assemelha muito mais a títulos como Bayonetta, Vanquish e Nier: Automata, onde o foco é em estilos de combate ágeis e esquivas precisas.
O jogo se concentra em te manter sempre combativo, na ação, ao invés de gastar tempo demais em menus trocando equipamentos ou ajustando atributos. E isso não o torna menos desafiador que um jogo da FromSoftware.
O combate em Black Myth: Wukong é uma dança de esquivas precisas e golpes devastadores, onde cada movimento precisa ser calculado
Na verdade, mesmo sendo veterano nesse estilo de jogo, confesso que fiquei preso em vários momentos, até mais do que na recente expansão de Elden Ring, Elden Ring: Shadow of the Erdtree. E isso sem nunca sentir que o jogo estava desequilibrado. A maioria das vezes, a dificuldade surge pela vasta gama de golpes e estilos de luta possíveis.
Dito isso, é seguro afirmar que o jogo oferece uma combinação satisfatória de padrões de ataque, onde é possível estudar os inimigos e ajustar seu equipamento para tirar o máximo proveito dos poderes escolhidos.
O combate é extremamente simples e elegante, repleto de ferramentas que proporcionam formas diferentes e divertidas de enfrentar os oponentes. O sucesso nas batalhas depende sempre de reflexos rápidos para desviar no momento certo (ao invés de realizar parries) e de um bom gerenciamento de recursos para desferir golpes poderosos, que muitas vezes exigem que se mantenha o botão pressionado por alguns segundos para carregá-los.
Uma experiência que é ao mesmo tempo desafiadora e incrivelmente gratificante
Além disso, você tem à disposição uma gama de feitiços, controlados por um medidor de mana. Esses feitiços são extremamente estratégicos, como o de Imobilização, que congela os inimigos por um curto período, permitindo que você os ataque em sequência para atordoá-los.
Outro feitiço interessante é o Anel de Fogo, que cria uma barreira ao seu redor, repelindo inimigos e restaurando sua vida lentamente, além de maximizar os efeitos das bebidas consumidas pelo símio.
Quer mais? A Rocha Sólida é outra habilidade muito legal: ela transforma você em uma estátua que ricocheteia os golpes dos inimigos, criando excelentes oportunidades para contra-ataques. Agora, o mais impressionante é um feitiço que lembra um jutsu do Naruto, criando vários clones do personagem para atacar os inimigos simultaneamente.
Além dos feitiços, você também possui as Transformações, que permitem que você se transforme em criaturas poderosas que já derrotou em lutas contra chefes de médio escalão. O melhor de tudo é que essas transformações não custam mana e realmente alteram todo o seu conjunto de golpes, mas possuem um tempo de recarga longo e consomem sua barra de vida.
Por exemplo, o primeiro chefe que você enfrenta é um grande lobo com uma lâmina de fogo e um ataque extremamente ágil. Quando você o derrota, ganha sua transformação e pode usar os mesmos golpes contra os inimigos, incluindo os ataques especiais e pesados que causam grandes danos.
Finalmente, temos ainda as Habilidades Espirituais, que são obtidas ao derrotar inimigos poderosos e absorver sua essência. Elas também fornecem transformações que duram apenas um ataque e estão vinculadas a um tempo de recarga longo, mas oferecem um poder de destruição considerável.
As Habilidades Espirituais também podem ser aprimoradas conforme a campanha avança, entregando uma ampla gama de possibilidades nas lutas, sem nunca fazer você se sentir sobrecarregado com tantas opções
O protagonista é predestinado a ser poderoso, e isso fica claro desde o início. Além das habilidades, espíritos e golpes diferentes, você ainda carrega consigo um cajado de 3 metros para esmagar a cabeça dos inimigos.
A Arte da Guerra: estratégia e exploração
O gerenciamento de recursos no combate é uma constante em Black Myth: Wukong. Com tantas oportunidades diversificadas de atacar e golpear, é natural que o resultado seja variado.
Em outras palavras, você precisa escolher com cuidado quais Feitiços, Transformações e itens levar para cada confronto ou área. Por exemplo, muitos chefes têm várias fases na luta, e, às vezes, é mais seguro guardar algumas estratégias para o momento certo.
Outro ponto relevante é que cada área abriga uma quantidade respeitável de inimigos variados, cada um com pontos fracos únicos que exigem a alternância de táticas. Acertar nessas escolhas é o que torna o jogo tão encantador, mesmo que Wukong brilhe especialmente nos encontros com os inúmeros chefes e oponentes únicos que surgem a cada 15 minutos.
Mesmo a jornada de mil milhas começa com um único passo — Antigo provérbio chinês
O design dos níveis não atinge o auge dos jogos criados por Hidetaka Miyazaki, seguindo um estilo mais linear amplo, com um caminho principal pontuado por checkpoints sequenciais e algumas áreas com recompensas opcionais.
Essas áreas opcionais são extremamente relevantes, pois é nelas que encontramos habilidades espirituais e itens curiosos que elevam nossa build, seja aumentando permanentemente saúde, resistência ou mana. Sem falar nas muitas lutas secretas, que mantêm o jogador sempre atento ao explorar o cenário.
A escolha por um design mais linear é fácil de entender, considerando a necessidade narrativa e a ambição gráfica do jogo, que exige cenários mais controlados para entregar a experiência pretendida. Não é um Elden Ring nem um Dark Souls, mas faz um trabalho competente.
Embora o mapa seja linear, ele beneficia o jogo com terras vastas e lindas, repletas de segredos. No entanto, não oferece muitas pistas de navegação. Apesar de haver muitas paredes invisíveis, você nunca sabe qual pedra é escalável até tentar. Isso recompensa o esforço de quem explora cada centímetro do cenário.
É certamente um dos jogos mais lindos já feitos
Tecnicamente, desde Crysis, não vejo um jogo tão visualmente impressionante. E não estamos falando de mods ou demos que encantam temporariamente — estamos diante de um jogo completo.
Embora Hellblade 2 tenha se aproximado desse nível gráfico, o ambiente lá é muito mais restrito, sem a complexidade de inimigos que encontramos em Black Myth: Wukong tornando a comparação injusta.
Em Black Myth: Wukong, cada ambiente é uma obra de arte, repleta de detalhes que merecem ser admirados, desde as folhas de uma árvore até as lascas de madeira de uma árvore caída na floresta. A animação é esplêndida, e são os pequenos detalhes que realmente deixam você embasbacado, como a deformação do cenário conforme o cajado do Escolhido se arrasta pelo chão.
O design de som e a trilha sonora são igualmente excepcionais. Com temas épicos, repletos de instrumentos profundamente enraizados na cultura chinesa, como flautas melódicas e tambores graves e retumbantes, o jogo constrói uma atmosfera única e envolvente.
Toda beleza vem com um preço
Porém, como mencionado anteriormente sobre os espinhos da rosa, nem todo esse esplendor vem sem sacrifícios. Atualmente, a falta de otimização em diversos setups é um ponto negativo, algo que, esperamos, evolua com o tempo, seja através de melhorias no hardware ou atualizações da desenvolvedora.
Não vou negar que em vários momentos experimentei frustração, seja ao atravessar cenários de forma inesperada, seja enfrentando travamentos em momentos críticos durante batalhas contra chefes — falhas que, infelizmente, resultaram em derrotas que poderiam ter sido evitadas.
Vale a pena jogar Black Myth: Wukong?
Como um jogo de nível AAA estreando para a Game Science, podemos afirmar que Wukong é, na esmagadora maioria do tempo, uma verdadeira obra-prima. O visual e o combate são extremamente fantásticos, equilibrados e belos.
O gerenciamento da árvore de habilidades, Feitiços, Transformações e dos itens disponíveis oferece um vasto arsenal de possibilidades, proporcionando uma tonelada de lutas únicas e emocionantes contra chefes e diversos inimigos, sendo um verdadeiro deleite para os olhos e ouvidos.
A história também é cativante e, diferente de muitos roteiros recentes, evita cair em clichês ou agendas ideológicas. Em resumo, Black Myth: Wukong entrega tudo o que promete e mais um pouco, sendo certamente um forte candidato a Jogo do Ano em 2024.
Prós