O índio morto na terra Arariboia

O índio morto na terra Arariboia

Vejo nesse blog que na principal base dos índios isolados no Vale do Javari houve invasão de caçadores armados. Índios isolados são grupos que recusam contato. Desde os anos 1980 quando houve a redemocratização decidiu-se que se eles querem ficar isolados, tudo o que cabe ao poder público é evitar que eles corram riscos. De longe a Funai vigia. Pois foi exatamente essa base de proteção étnica que foi atacada no Vale do Javari, Amazonas.

Paulo Paulino Guajajara morreu no local

Sarah Shenker/Survival International

O índio assassinado era guajajara e morava numa das terras indígenas do Maranhão. Ele faz parte de grupos que estão se organizando em defesa das terras. Os guardiões da floresta. O poder público deveria estar lá e não está. Eles vigiam, andam pela mata, alertam que está havendo desmatamento. Antes isso levava os órgãos públicos para o local. Atualmente pouca coisa acontece. Foi assim que Paulo Paulino Guajajara morreu. No meio da noite, um ataque certeiro, um tiro certeiro, numa luta desigual.

O Maranhão é um estado onde há poucos remanescentes da floresta amazônica. O que há é, em geral, terra indígena. Caru, Awá Guajá, Alto Turiaçu, Pindaré e Arariboia. Fora isso, só a reserva Gurupi, criada por Jânio Quadros. O que significa que os indígenas prestam um serviço ao Maranhão e ao país. Na T.I. Arariboia houve em 2015/2016 um grande incêndio. Foi debelado, mas destruiu parte grande da mata. Ela ficou ainda mais preciosa. Outro dia entrevistei o governador do Maranhão e projetei no telão as terras indígenas do Estado mostrando que ali, na Arariboia, havia ocorrido na semana anterior um perigoso confronto entre índios guajajara e invasores madeireiros. E que mais acima os Ka’apor estavam também pedindo socorro. Ele nada pode fazer. Terra indígena é federal. Quem tem que entrar e fiscalizar, proteger, preservar são órgãos federais.

E onde eles estão? Os servidores querem trabalhar. Mas a Funai ficou à deriva na Esplanada dos Ministérios. Foi dividida e transferida de Ministério. Depois o Congresso reunificou e levou de volta para o Ministério da Justiça. O ministro, que eu me lembre, não demonstrou até agora nenhum interesse na questão indígena. Outro dia teve uma operação nas terras lá do Maranhão que deveria durar 30 dias, mas acabou no quarto dia. Faltaram recursos. É assim que o país vai plantando uma tragédia. A repetição de uma velha tragédia.

Ano passado eu estava num lançamento de livro infantil e apareceu um jovem pré-adolescente que me disse: “minha mãe trabalha na Funai”. Ele disse aquilo com tanto orgulho que me impressionou. Fiquei imaginando aquela mãe do qual o filho se orgulha. Sem conhecê-la penso nela. Deve passar os dias em alguma mesa da Funai tentando trabalhar.

Na coluna em que narrei o aumento da tensão na Terra Arariboia, eu terminei avisando: “Os índios estão por sua conta e vão tentando defender a si mesmos e a floresta”. Pois é. Meu amigo avisou que a morte do amigo está doendo muito e eu não sei o que dizer a ele.

* Miriam Leitão é jornalista e escritora. Escreve crônicas aos sábados como colaboradora do blog